:: A meta do presidente

20 out

Por ANA MESQUITA

http://anamesquita.zip.net/

13 de outubro de 2009

Transcrevo a excelente análise assinada pela nadadora Ana Mesquita, a propósito do debate sobre Olimpíadas, desenvolvimento humano e formação de atletas.

Autora do livro “A travessura do Canal da Mancha”, Ana escreve com autoridade de quem se preparou física e psicologicamente para superar o desafio das águas, 36km entre a França e a Inglaterra. E conseguiu, com recorde latino-americano: 9h40min.

O texto, a seguir, é ótimo para análises e debates. Confiram.

*

anamesquitaDepois do anúncio da escolha do Rio de Janeiro como sede para os Jogos Olímpicos de 2016, nosso emocionado presidente declarou: a meta agora é transformar o Brasil em potência olímpica. Está cheio de gente questionando a viabilidade dessa meta. Por enquanto não vi ninguém questionar a validade dela. Eu quase acho o projeto mais viável do que válido.

A China foi a primeira no quadro de medalhas de Pequim 2008. IDH: 92º. O Quênia (147º no IDH) ficou em 15º lugar nas olimpíadas. À frente da Noruega, que foi 21ª no quadro de medalhas e tem o mais alto Índice de Desenvolvimento Humano, segundo a ONU. É possível tornar-se potência olímpica sem melhorar a distribuição de renda, a educação e a saúde pública. O destaque esportivo também pode prescindir da democracia, da liberdade de expressão e da liberdade de escolha. Ganhar uma baciada de medalhas olímpicas pode encher um povo de emoção e orgulho patriótico, mas não faz um país melhor.

Há quem diga que o Brasil deve tomar a China como modelo. Depois de Seul, quando terminou os Jogos em 11º lugar no quadro de medalhas, implantou um programa de massificação esportiva e, quatro anos mais tarde, em Barcelona, saltou para a quarta posição. Mais dezesseis anos e foi a primeira em Pequim. Na natação, esporte que acompanho mais de perto, a China não teve sucesso tão crescente. Se até Seul nunca uma nadadora chinesa havia chegado a uma final olímpica, em Barcelona foram quatro medalhas de ouro.

No mundial de Roma-94 o espanto cresceu: 12, das 16 medalhas de ouro em disputa foram para nadadoras chinesas. Então, meses mais tarde, nos Jogos Asiáticos, a equipe ruiu: 11 atletas caíram no antidoping. Se foi doping oficial nos moldes do da ex-Alemanha Oriental ou não é impossível dizer. Após o escândalo e em meio à campanha para sediar os Jogos de 2008, a China realizou grande esforço de provar-se limpa. A natação chinesa contentou-se com uma medalha de ouro em Pequim.

Como brasileira, ex-atleta e apaixonada por esporte, prefiro que o Brasil não adote o modelo Chinês. Quero ver o Brasil no alto do pódio olímpico muitas vezes, mas como consequência da melhora de todos os nossos indicadores sociais. Quando todas as nossas crianças frequentarem boas escolas, forem bem alimentadas e tiverem oportunidade de participar de bons programas de iniciação esportiva em locais com estrutura adequada, sob orientação de bons profissionais, teremos boas chances de nos tornarmos uma potência esportiva. Se forjarem em nós o destaque olímpico que desejam sem que tenhamos nada disso, nem quero pensar em como o farão.

Deixe um comentário